Nazismo, esquerda ou direita ?

16/12/2013

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Por Carlos Everardo Silva

A maior parte dos historiadores costuma associar o nazismo à extrema-direita. Por motivos bastante óbvios, é claro. No século 20, o nazismo representou a reação da elite alemã a uma possível ascensão do comunismo. Em tempos de “ameaça vermelha”, recorrer à tradição e ao nacionalismo foi a forma encontrada pela burguesia alemã de eliminar qualquer influência do comunismo sobre a classe trabalhadora. Tal plano exigia não só a perseguição das organizações revolucionárias, como também a destruição da centro-esquerda, materializada na social-democracia, como forma de evitar que os marxistas se utilizassem do movimento social-democrata para se aproximar dos trabalhadores.

E a verdade é que o populismo de Hitler conquistou boa parte da classe trabalhadora (provavelmente a maior parcela). Ao reconhecermos que o nazismo, de fato, estabeleceu sua hegemonia no movimento operário alemão, não devemos cair no erro de tratá-lo como uma ideologia operária. O nazismo é um movimento externo, ligado às elites, que se apropriou do movimento operário. Aliás, não apenas a esquerda o considera assim, o anarcocapitalista Murray Rothbard, mesmo sendo anti-comunista, faz questão de estabelecer que o fascismo (e o nazismo é apenas uma forma mais agressiva de fascismo) sempre esteve associado aos interesses das elites, ao contrário do comunismo:

“O comunismo constituiu um movimento revolucionário genuíno, que desalojou e destronou de modo implacável as elites dominantes estabelecidas, ao passo que o fascismo, ao contrário, consolidou no poder as classes dominantes tradicionais. O fascismo foi, portanto, um movimento contrarrevolucionário, que cristalizou um conjunto de privilégios de monopólio sobre a sociedade; em suma, representou a apoteose do moderno capitalismo monopolista de estado.” (1)

Entretanto, é comum que direitistas associem o nazi-fascismo à esquerda. Quem nunca leu ou ouviu de um liberal/conservador a pérola: “Se o nazismo não era de esquerda, então por que o partido de Hitler se chamava nacional-socialista?”

Como se sabe, a direita tem o costume de se guiar pelas aparências. É muito fraca na hora de fazer análises mais complexas. Assim, fica mais fácil definir a ideologia de um partido pelo seu nome, sem levar em conta as armações, as intenções e o jogo político que há por trás do termo. Fora que, afinal, é até compreensível que a direita tente jogar o nazi-fascismo na esquerda. Quem quer ter Hitler como companhia?

Então, será que fica assim? A direita diz que o nazismo era de esquerda, e a esquerda que o mesmo era de direita? Não, não é assim que as coisas funcionam. Os termos “esquerda” e “direita” não são mera abstrações, palavras jogadas ao vento. Cada um desses termos possui um significado histórico muito claro.

Conservadores e liberais pensam que podem resolver essa questão com aquela velha definição estúpida e simplista de: “esquerdistas são estatistas, e direitistas são anti-Estado”. Por esse ponto de vista, o nazismo bem que poderia ser considerado de esquerda. Afinal, é anti-liberal e defensor de forte intervenção estatal. Ocorre que os significados de esquerda e direita não possuem qualquer relação com estatismo e anti-estatismo. Não sou eu que digo isso, é a história. Não é uma opinião, é um fato.

Eu poderia argumentar simplesmente que anarcocomunistas, mesmo sendo anti-estado, são historicamente considerados de esquerda. Isso por si só refutaria o argumento da direita. E poderia muito bem parar por aqui. Mas não vou parar. Seria uma refutação pobre demais para ser levada a sério.

Para compreendermos os reais significados de esquerda e direita, precisamos evidentemente utilizar a história como base. Esses termos passam a ter algum sentido político a partir da revolução francesa. O simples fato dos liberais, inicialmente, estarem associados à esquerda, em oposição aos conservadores e monarquistas, já torna a teoria da direita bem questionável. Afinal, liberais são anti-estado. De acordo com a teoria da direita, então, eles jamais poderiam ter sido considerados de esquerda. Mas foram, como explica novamente Rothbard:

“Logo tomaram corpo na Europa ocidental duas grandes ideologias políticas, centradas nesse novo fenômeno revolucionário. Uma delas foi o liberalismo, o partido da esperança, do radicalismo, da liberdade, da Revolução Industrial, do progresso, da humanidade; a outra foi o conservantismo, o partido da reação, o partido que almejava restaurar a hierarquia, o estatismo, a teocracia, a servidão e a exploração de classe próprios da Velha Ordem. Uma vez que a razão estava manifestamente do lado do liberalismo, os conservadores turvaram a atmosfera ideológica apelando para o romantismo, a tradição, a teocracia e o irracionalismo. As ideologias políticas se polarizaram, com o liberalismo na extrema esquerda e o conservantismo na extrema direita do espectro ideológico.” (2)

O texto do autor é completamente racional. De fato, o liberalismo só perde o seu status de “partido de esquerda”, após o surgimento do socialismo, no século 19. Com a consolidação da burguesia, o liberalismo perde seu posto de opositor da ordem social, dando espaço ao socialismo. Então o que isso significaria, que ser de direita é está no poder e ser de esquerda é está na oposição. Não. Embora essa afirmação possa encontrar fundamento no exemplo citado acima, não encontraria qualquer respaldo em outros fatos históricos. Apenas citei isso para reforçar a tese de que, historicamente, ser de esquerda não significa necessariamente ser estatista.

Na verdade, o único critério minimamente decente encontrado para estabelecer uma diferença clara entre direita e esquerda é a ideia de que a esquerda está associada à igualdade, enquanto a direita se apoia na desigualdade.

Para a direita, a desigualdade é natural. Não só natural, como boa. E não é uma opinião pessoal. Qualquer direitista que possua real conhecimento sobre os teóricos liberais e suas ideias, admite que a maior parte das desigualdades são não só naturais, como boas para a sociedade. Enquanto isso, historicamente, a esquerda se caracterizou pelo discurso da igualdade. E foi por isso mesmo que o liberalismo perdeu espaço para o socialismo no campo da esquerda, porque se inicialmente o discurso de igualdade perante a lei deu ao liberalismo um caráter esquerdista (principalmente comparado ao monarquismo), com o surgimento da teoria socialista fica claro que a igualdade perante a lei é apenas um truque para promover a desigualdade. A simples igualdade perante a lei é uma abstração. Perante a lei, por exemplo, todos tem direito de possuir meios de produção, mas no mundo real sabemos que o sistema capitalista leva necessariamente a maioria ao trabalho assalariado.

Igualdade e desigualdade (e não estatismo e anti-estatismo) é que são as palavras corretas para dá significado aos termos esquerda e direita. Sendo assim, o nazi-fascismo jamais poderia ser considerado de esquerda, por ser racista e xenófobo. O racismo e a xenofobia não possuem qualquer ligação com o ideal de igualdade historicamente defendido pela esquerda. Isso não significa, é claro, que todo direitista é racista e xenófobo. A maioria não é. Significa apenas que a teoria racista e xenófoba do nazi-fascismo nada mais é do que uma radicalização da crença na desigualdade natural. Além disso, o estatismo promovido pelo nazi-fascismo, como Rothbard demonstra, teve a clara intenção de proteger os privilégios das elites, e não de distribuir renda. E por isso mesmo é perfeitamente cabível colocar o nazi-fascismo na extrema-direita.


Eu não digo que minha análise é perfeita. Não quero estabelecer que o critério apresentado aqui seja o único a ser levado em consideração. Mas no mínimo espero que qualquer alternativa a ele não tenha por base frases bobas e infantis como “Se Hitler não era de esquerda, por que ele se dizia socialista?”. Eu espero ouvir uma bobagem dessa de uma criança de 8 anos, e não de um adulto que quer ser levado à sério.




NOTAS

(1) Esquerda e Direita, Murray Rothbard
(2) Esquerda e Direita, Murray Rothbard


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